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“Maria Magdalena”, do aparelho de som às memórias

Após quinze anos sem ouvir a música mais significativa da minha infância, tive o prazer de me reencontrar com ela em um bom dia, cansativo, mas gratificante. Eu voltava de um longo dia de estudos e estágio, e, inusitadamente, minha casa não estaria vazia quando eu chegasse. Meu pai estaria lá. Nós deveríamos morar juntos em São Paulo, mas a pandemia mudou esse cenário. Ele voltou, e eu vim. Nunca nos encontramos, nunca moramos efetivamente na mesma casa. Mas ele sempre foi presente. Presente em ligações diárias, em brincadeiras na piscina aos finais de semana, em músicas dos anos 80 aproveitadas em conjunto — e que marcaram a minha infância. 

Aprendi os dias da semana de uma forma diferente: sabia que era sexta-feira porque era o dia que ele viria. Passava a semana contando os dias para a sexta. Eu era a primeira a chegar em casa. Logo em seguida, o barulho do carro, que já podia ser reconhecido pelos meus ouvidos desde a esquina, acelerava o coração: finalmente nós três estaríamos juntos de novo para mais um fim de semana. Ele chegava, trocava as roupas sociais por algo mais confortável e colocava uma playlist de suas músicas antigas no microsystem que ficava na sala de TV. Não me recordo o que eu costumava fazer, se brincava ou me distraía com algo, mas lembro de aproveitar esses momentos familiares entre nós. O mais especial era quando tocava (I’ll Never Be) Maria Magdalena, da cantora Sandra: meu pai me colocava de pé no sofá da sala e cantávamos juntos — mesmo sem saber a letra, desconhecimento que dura até hoje. Algo naquela música me chamava a atenção. O ritmo, os instrumentos, a voz com marcas de autotune: tudo na música indica o estilo dos anos 80, mas ela me transporta diretamente para os anos 2000, para as noites em que eu cantava com todo o ar de meus pequenos pulmões.

Em 1985, quando a música foi lançada, meu pai tinha 22 anos. Hoje tenho 20. O que ele ouvia quando tinha a minha idade foi passado para mim de uma maneira que Maria Magdalena, mesmo que antiga, seja atual em forma de memórias. Viagens de carro, finais de semana em casa, festas de família, cantorias abafadas durante o banho: a música sempre esteve presente, de modo que se tornou a “nossa” música, por mais clichê que isso soe. Quando ela começava a tocar, imediatamente olhava para o meu pai, e nos divertíamos muito. Em breve estarei com ele, e poderei lançar o mesmo olhar de quinze anos atrás: a nossa música tocou hoje, e foi tão especial quanto antigamente.

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